A Mulher do Sal

É do sal que salga o peixe que dona maria faz vida. Hoje o barco antecipou as seis horas e dona maria saiu cedo da outrora menos mágica Alfama. Seguiram-se as ruas. As ruas dos domingos e das segundas até aos sábados. São as ruas dos Remédios, do Cais de Santarém e, não fosse a antecipação do barco, talvez aquele degrau da Rua da Alfândega pudesse servir de luxuoso descanso.O barco tem o cheiro onde o podre se esquece. É um barco diferente dos que chegam da outra margem: traz o sal mas leva os mortos. Os mortos que assim ficam para não se oporem mais a quem lhes manda. Ou não poderem repetir o fitar à devassa mulher do ministro que, no meio de suas pernas, só não mata quem tem negócio de terra. Infelizmente, não é nos homens lavados que a mulher do ministro tem interesse. Sua alma generosa gosta dos coitados criados que, presos por ter cão e presos por não o ter, lá lhe dão alguma atenção. Por convocação de justificativa ao Paço, dona maria não chegou a ver partir, neste mesmo barco, seu marido. A viúva, que nunca tinha tido outro homem levou repreensão de puta, responsabilizando-se pelo comportamento do defunto. Até morrendo o homem tem melhor tratamento!

 

Por mais sessenta e três anos dona maria vai carregar os dez quilos de Sal do Cais do Sodré ao Bairro Alto. Hoje, dois séculos depois, a rua por onde dona maria andou chama-se Rua do Alecrim. 

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