— Abra os olhos! Consegue ouvir-me?
— Raios! — pensei — Um céu branco, leitoso, num espaço fechado.
Pedalara forte, enquanto se pedala de outras coisas se ocupa o pensamento, o vento forte que bate na cara é força de outra coisa. Daí que nos limitemos a estar. Abri os braços para o rio e caí.
— Sabe onde está? Consegue dizer-me o seu nome?
Percebi que alguma coisa tinha corrido mal. Do branco, como nuvens, algumas coisas romperam. Primeiro uma cara de mulher, a mesma da voz distante, agora mais próxima. Depois algumas luzes esguias de movimento rápido. Algo grave se abateu. Voltei a cair.
Durante o vai-e-vem apercebi-me de um força interior, um sinal estranho da minha existência de que me esquecera há muito. Aquela viagem e o cheiro que senti. Aquilo que fora antes de ter nascido. Aquela presença me fez voltar um pouco mais à tona d’água. Respirei um pouco e deixei-me ficar no limiar de quem não se quer decidir.
A voz de mulher continuou:
— Homem, meia idade. Atropelamento violento. Traumatismo crânio-encefálico. Fractura da tíbia. Possíveis fracturas cervicais.
Aquele cheiro que me lembrava uma terra distante era o cheiro de um emoção verdadeira. Mergulhei mais fundo para perceber. A voz tinha sido substituída por uma outra, era eu no feminino, era eu em gato, em lince, em leão e em tigre, da copa da árvore debrucei-me. Um pouco mais e a medo, fiz-me lémur voante e saltei: da coragem ao salto está toda existência que posso ter.
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